APRESENTANDO
O MARQUES DE SADE
Donatien-Alphonse-François
de Sade, nasceu a 2 de junho de 1740 no palácio de Condé onde sua mãe,
Marie-Éléonore de Maillé-Bréze de Carman, era dama de honra da princesa de
Conde e também sua parenta. Seu pai, Jean-Baptiste-Joseph-François, era conde
de Sade. Sua família é originária de Avinhão mas também é aparentada às
melhores famílias da Provença.
Até
o nascimento de Donatien, o personagem mais importante da família foi Laura de
Noves, mulher belíssima que se torna esposa de Hugues de Sade, chamado o Velho,
a 16 de janeiro de 1325 e por quem Petrarca, o grande poeta italiano viria a
apaixonar-se, imortalizando-a em seus versos.
Aos
sete anos, o "bambino louro", como a família chamava Donatien, tem
sua educação confiada ao seu tio paterno, JacquesFrançois-Paul-Aldonse,
conhecido também como abade de Sade, e que então era vigário-geral da Abadia de
Ébreuil, próximo de Vichy. Não obstante os métodos pedagógicos pouco ortodoxos
ecléticos do tio, o ensino é bom e o jovem aprende latim e grego em três anos.
Aos dez ele passa a estudar em Paris, onde ingressa num dos melhores
estabelecimentos de ensino dos jesuítas, o Colégio de Harcourt, onde dispõe até
de um preceptor particular, o abade Amblet, que muitas vezes terá de intervir
para abafar os escândalos do seu jovem aluno.
Dele dirá mais tarde
o próprio marquês:
"Era homem
firme e de muito espírito, sem dúvida adequado para formar a minha juventude.
Infelizmente não o conservei por muito tempo".
Em
1754, devidamente munido de um título de nobreza, que então era indispensável
para conseguir um posto no exército, Sade ingressa na Escola Preparatória de
Cavalaria, que faz parte do Regimento da Cavalaria Ligeira da guarda. Esta
escola rivalizava com a dos Mosqueteiros e ambas eram o objetivo dos melhores
varões da nobreza de França.
Nomeado
subtenente em 1755, dois anos depois passa a porta-estandarte do corpo de
carabineiros do regimento do conde de Provença, irmão do rei. Em 1759 Sade
passa a capitão do regimento de Borgonha e toma parte na Guerra dos Sete Anos
contra a Prússia. Em Aline e Valcour, Sade atribui-se louros que seus
superiores e companheiros também lhe dão.
Diz
ele: "As campanhas foram iniciadas e atrevo-me a dizer que as fiz muito
bem. Esta impetuosidade natural do meu caráter, esta alma fogosa que me deu a
natureza, apenas intensificavam ainda mais esta virtude feroz a que dão o nome
de coragem e que é considerada, creio eu erradamente, como a única necessária
ao nosso estado."
Termina
a Guerra dos Sete Anos com a assinatura do Tratado de Paris em 1763 e
Donatien-Alphonse é reformado como capitão de cavalaria. Nessa época, os
oficiais reformados não perdem seu posto e podem mais tarde voltar a usar o
uniforme, como Sade fará em 1767 e 1770. Ele é um bom soldado mas começa a
saturar-se da vida numa sociedade militar que não tem nada de puritana. Muito
ao contrário. A 29 de outubro de 1763, Donatien-Alphonse tem sua primeira
experiência de prisão, na qual passará quase trinta anos de sua vida. Ele é preso
em Vincennes por "devassidão", blasfêmia e profanação da imagem de
Cristo, mas no mês seguinte é libertado, sendo porém obrigado a permanecer numa
residência indicada, o palácio de Echauffour, na Normandia.
Em abril de 1764
recebe permissão para voltar a Paris. Em julho daquele mesmo ano, apaixona-se
pela Senhorita Colette, atriz do Teatro Italiano. Mas parece que esta aventura
não o satisfez, pois o Inspetor Marais, sempre atento às intrigas de toda a
sociedade, diz num relatório que pediu à Brissault, uma rameira muito conhecida
em Paris, que não enviasse meninas para Sade.
No
ano seguinte é a vez da Senhorita de Beauvoisin, uma beldade famosa e cara, de
atrair as atenções do marquês e naquele verão ele a leva a La Coste fazendo-a
passar por parenta de sua mulher. Naquele mesmo ano, faz corte a uma
freqüentadora dos salões parisienses e, numa de suas cartas, lamenta não tê-la
desposado.
Segundo
um dos seus superiores e que mais tarde será Ministro da Guerra de Luís XVI,
Saint-Germain, "dizem coisas horríveis a seu respeito".
O
pai de Donatien-Alphonse acaba por agastar-se com esta boataria sobre seu
filho. Ao que parece, ele está sempre na companhia de prostitutas e proxenetas
e não sai dos bastidores dos teatros. O pai pensa em dar um jeito de casar o
filho para ver se ele passa a viver uma vida normal. Além disso, é sua intenção
fazer um bom casamento — financeiramente, é claro — pois a situação financeira
da família não vai muito bem. O próprio DonatienAlphonse não se mostra avesso
ao casamento e pensou, várias vezes, em casar-se com a preferida do momento.
Finalmente
o pai do marquês arranja-lhe um casamento, e lhe diz que ele se casará com a
Senhorita de Montreuil, ao que ele concorda com prazer pensando tratar-se de
Anne-Prospère, a quem já vira e que era muito bela. Mas na verdade, a escolhida
é Rennée, a outra irmã, até então ignorada. Esta conta vinte e três anos e é
destituída dos encantos que a irmã tem em quantidade.
Decepcionado,
Donatien-Alphonse, mesmo assim, casa-se com Rennée, isto em 17 de maio de 1763,
alguns meses antes da sua primeira prisão.
Seu
pai falece a 24 de janeiro de 1767 e Donatien-Alphonse torna-se herdeiro das
senhorias de La Costa, Mazan e Saumane, e também de dívidas muito altas. Neste
mesmo ano ele preparasse para reingressar no exército e também nasce seu
primeiro filho, Louis-Marie, conde de Sade.
A fama do marquês continua aumentando e
chega a chamar a atenção de Marais, que profeticamente, diz: "não
demoraremos a ouvir falar dos horrores do senhor conde de Sade". É também
o Inspetor Marais quem diz que Sade tentou inutilmente cortejar a Senhorita
Rivière, dançarina da ópera e que não quis conhecer sua casa de prazeres em
Arcueil nem aceitar os 25 luíses de prata mensais que lhe oferecia.
O
dia 3 de abril de 1768 assinala o começo da espinhosa carreira sádica do
marquês. Neste dia, um domingo de Páscoa, no passeio, uma mulher pede-lhe uma
esmola. Os encantos dessa mulher, chamada Rose Keller, é que o levarão pela
primeira vez às barras do tribunal.
Oferecendo-lhe
um escudo ele a convence a acompanhá-lo à sua casinha. Ao chegarem,
Donatien-Alphonse prende-a num aposento. Mais tarde, volta, manda-a despir-se e
a flagela.
Depois
torna a prendê-la com algum alimento, prometendo voltar à noite para soltá-la.
Rose Keller, porém, não espera e consegue fugir por uma janela, encontra-se com
algumas mulheres, conta sua aventura, é levada ao palácio do notário onde lhe
tomam o depoimento. Sade é preso por ordem do rei no palácio de Saumur, onde
ficará dezoito dias. Dali é transferido para a fortaleza de Pierre-Encisa,
próximo de Lyon, onde fica um mês. Somente em novembro é que será libertado por
ordem do rei.
Seu
segundo filho, Donatien-Claude-Armand nasce em Paris a 27 de junho de 1769. No
ano seguinte, Sade retorna ao exército como capitão-comandante do regimento de
Borgonha. Em 1771, a 17 de abril, nasce sua filha, Madeleine-Laure. Em agosto
do mesmo ano Sade é preso por dívidas e suas dificuldades financeiras
agravam-se no ano seguinte.
Em
junho de 1772, ele realiza uma festa de prazer com várias jovens e seu criado
Latour.
Nesta
reunião elas são flageladas e flageladoras e possuídas ora por Sade, ora pelo
seu criado.
Depois,
as mulheres farão queixa de várias sevícias a que foram submetidas, declarando
também que o marquês quis fazer sodomia com elas, acrescentando, porém, que
recusaram. (No século XVIII, a sodomia, ativa ou passiva, era passível de pena
de morte.) A 30 de junho, Marguerite Coste, julgando-se envenenada pelo
afrodisíaco dado pelo marquês, apresenta uma queixa, resultando numa ordem de
prisão de Sade, acusado de envenenamento e sodomia.
A
12 de setembro, Sade e seu criado Latour são executados e queimados em efígie
na Praça dos Pregadores, em Aix-en-Provence. Meses depois, porém, à insistência
do duque de Aiguillon, e por solicitação da Senhora de Montreuil, Sade é preso
por ordem do Ministro dos Assuntos Estrangeiros do rei da Sardenha, e conduzido
ao forte de Miolans. Mas em abril do ano seguinte, 1773, Sade consegue escapar
da prisão, com a ajuda da Senhora de Sade, acompanhado do seu criado, Latour, e
de outro preso, indo ocultar-se nos arredores de La Coste.
Em
1775, ouve-se falar novamente do marquês, acusado de ter raptado várias jovens.
A Senhora de Montreuil, usando do seu vasto relacionamento, procura abafar o
escândalo. Em fins de 1776 segundo uns, ou começo de 1777, segundo outros, o
pai de uma cozinheira do castelo, Catherine Treillet, também chamada Justine,
provoca um escândalo em La Coste, querendo arrancar sua filha daquele meio que
considera pervertido. O marquês procura acalmá-lo e resolve não deixar que ele
leve a filha antes de encontrar uma substituta. O pai, furioso, dá-lhe um tiro
de pistola, sem contudo feri-lo.
Ainda
procurado pela polícia, Sade é preso pelo Inspetor Marais no quarto de sua
mulher, sendo levado para Vincennes. Não há dúvidas de que esta prisão foi obra
da Senhora de Montreuil, que não esconde sua satisfação em livrar-se do genro
turbulento. Sua mulher, porém, desesperada, tenta descobrir onde está preso o
marido e faz planos para sua fuga. Mas o marquês é transferido para Aix por
ordens do rei. Sade, porém consegue escapar no caminho de Valence. A Senhora de
Montreuil, contudo, está decidida a manter preso o genro e consegue outra ordem
de prisão do rei. Uma vez mais, o Inspetor Marais vai a La Coste e prende Sade.
Os
anos seguintes encontram Donatien-Alphonse cada vez mais envolvido em dívidas e
em seqüências de prisões, fugas e solturas.
Em
1781, ainda preso, Sade termina uma comédia, O Inconstante. No ano seguinte
termina o caderno que contêm O Pensamento Inédito e o Diálogo entre um Padre e
um Moribundo, ano em que também começa a escrever os Cento e Vinte Dias de
Sodoma. Em 1783 escreve O Prevaricador e O Marido Crédulo, duas comédias, e uma
tragédia, Jeanne Laisné.
Em
1784 Sade é transferido para a Bastilha. No ano seguinte, sua mulher não pode
visitá-lo na prisão porque o cardeal de Rohan (o Caso do Colar) está preso na
Bastilha e as visitas estão proibidas. Em outubro ele termina os Cento e Vinte
Dias de Sodoma, cujo manuscrito é um rolo de papel de quase vinte metros. Em
1786 começa a escrever Aline e Valcourt; em 1787 termina Justine, ou as
Desgraças da Virtude, escrito em dezesseis dias.
Chegamos
a 1789, ano da Revolução Francesa. No dia 2 de fevereiro, Sade grita pela
janela da sua prisão que estão querendo estrangular os presos da Bastilha e que
é preciso libertá-los. 14 de julho — Queda da Bastilha. Os papéis de Sade são
dispersados. Em 1790 a Assembléia Nacional anula todas as ordens de prisão e o
marquês é libertado. Sua mulher, que está no Convento de Sainte-Aure, recusa-se
a recebê-lo.
Em
outubro deste mesmo ano, o marquês inicia uma ligação com Marie-Constance
Renel, uma comediante, ex-mulher de Balthasar Quesnet. Essa ligação durará até
sua morte.
A
Comédie Française recebe por unanimidade Sophie e Des-francs ou o Misantropo
por Amor.
Em
1791 Justine é publicado. Em outubro desse ano, é apresentado no Teatro Moliere
um drama em três atos que Sade escreveu na Bastilha: Oxtiern ou as Desgraças da
Libertinagem, quando o público chama o autor à cena.
Em 1793,
financeiramente, Sade está nas últimas e pede a Gaufridy, seu notário, que
liquide tudo para que ele possa ter dinheiro. No fim desse ano ele volta a ser
preso, adoece e é transferido para a casa de saúde de Picpus, sendo libertado
em outubro.
Em
1795 publica-se A Filosofia de Alcova e Aline e Valcour; dois anos depois é a
vez da publicação da Nova Justine ou as Desgraças da Virtude, seguida da
História de Juliette, sua irmã.
Em
1801 publica-se Crimes de Amor, precedidos de uma Idéia sobre os Romances. Sade
também escreve O Autor dos "Crimes do Amor" em Villeterque em
resposta a um artigo publicado no ano anterior, acusando-o de ser o autor do
"infame Justine". Em março desse ano Sade é preso na casa do seu
editor, Massé. É depois transferido para a casa de saúde de Charenton. Em 1807,
já há seis anos na prisão, ele escreve Os Dias de Florbelle ou a Natureza
Desvendada, mas esse manuscrito é destruído. Sua mulher morre em 1810. Em 1812
Sade escreve Adelaide de Brunswick, princesa de Saxe; no ano seguinte é a vez
de História Secreta de Isabel da Baviera e da publicação de A Marquesa de
Gange.
A 2
de dezembro de 1814 morre Donatien-Alphonse-François de Sade.
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